Há quem diga que o amor verdadeiro supera tudo.
Que sua existência pressupõe uma forma de amar incondicional, que
independe de qualquer fator externo. Há quem diga que o amor, por si só,
se basta, se garante diante de quaisquer adversidades. Sem muitos
rodeios informo que amor incondicional não é amor: é
escravidão.
Sentir-se na obrigação de suportar o outro diante de quaisquer situações
impostas, de maneira alguma é algo nobre. E o amor, esse sim é um
sentimento nobre, que não exige o simples fato de suportar o outro, mas
sim suportar a si mesmo. Explico.
Claro, é muito mais fácil delegar
ao outro a responsabilidade sobre si mesmo. Chamar a relação de amor,
dar o sobrenome de incondicional e pronto, estar simples e facilmente
submetido à vontade do outro. Delegar seus próprios fracassos como
fracasso do outro, assumir que os erros cometidos só ocorreram por
decisão do outro e que tudo que desmorona ao redor, é devido às escolhas
do outro. Eu, eu mesmo, sou o bom; nunca erro, nunca perco a razão e
nem o juízo, nunca faço péssimas escolhas. Ou o exato contrário, se tudo
deu certo é porque o outro fez dar certo. Eu sou completamente
impotente diante da vida, sou paralisado em relação aos meus desejos.
Tudo que o outro me dá, eu aceito. Tomo pra mim como verdade universal.
Não questiono, engulo. Me entupo de vontade alheia, transbordo
aprisionamento, exalo algemas.
Eu, ao amar o outro
incondicionalmente, digo a mim mesmo e ao mundo que eu não tenho o menor
valor. Que tenho tanto medo de existir e de errar que preciso que haja
um terceiro, alguém de fora, que tome responsabilidade por tudo. Que
seja o culpado e o triunfante. Que seja elogiado e criticado. Que seja
meu escudo, na tentativa frustrada de me esconder por detrás das grades
incondicionais de um suposto amor. Tanto medo de viver que prefiro não
existir, apenas me esconder.
Amar incondicionalmente não é amor; é
autodestruição. Todos temos nossos limites. Precisamos de limite,
justamente porque é impossível suportar toda a carga que é posta em
nossas costas. Sem limite, perdemos nossos contornos, perdemos o que
somos. Perdemos a existência e nos transformamos em qualquer coisa
borrada e mesclada com todo o resto ao redor. Viramos uma ilusão, uma
ideia distorcida do projeto original.
Sim, acredito que amar exige
muito mais do que ceder completamente à vontade do outro. Significa
adentrar em si mesmo, conhecer seus limites, quem sabe mudar-se, porque
não. Significa deixar que o outro toque sua alma, e te faça enxergar o
universo dele. E que esse contato possa então aproximar ambas as
realidades, e que estas realidades se alinhem e possam seguir juntas.
Não significa aniquilar-se, pelo contrário: significa expandir-se.
Aprimorar-se. Mudar-se. Aumentar limites e horizontes. Viver. Existir.
O amor verdadeiro não aniquila, mas sim soma. Subtraem-se alguns
algarismos, mas somam-se outros. No final, a conta é sempre positiva
para ambos os lados. Se existe perda, se
essa perda acarreta danos, se esses danos consomem e aniquilam tua
essência, se tua essência é deixada de lado ou corroída em nome do amor
incondicional, pare. Reveja suas condições. Para amar alguém há
condições, sim, que limitam e muitas vezes impossibilitam que haja uma
troca. Respeitar as condições de cada um é premissa
sine qua non para
que haja qualquer tipo de amor.
Conhecer suas próprias condições e
limites exige uma viagem extenuante numa longa estrada. Uns terminam
esta viagem num piscar de olhos, outros nunca nem ousaram começar. Mas
certamente, é uma condição imprescindível pra fugir da armadilha do amor
incondicional e adentrar ao aconchegante universo do amor condicional e
verdadeiramente pleno, que só vem com o auto respeito. Tirando a nossa
própria essência, ah, todo o resto é condicional.