domingo, 1 de janeiro de 2017

Amor Incondicional



Há quem diga que o amor verdadeiro supera tudo. Que sua existência pressupõe uma forma de amar incondicional, que independe de qualquer fator externo. Há quem diga que o amor, por si só, se basta, se garante diante de quaisquer adversidades. Sem muitos rodeios informo que amor incondicional não é amor: é escravidão.
Sentir-se na obrigação de suportar o outro diante de quaisquer situações impostas, de maneira alguma é algo nobre. E o amor, esse sim é um sentimento nobre, que não exige o simples fato de suportar o outro, mas sim suportar a si mesmo. Explico.

Claro, é muito mais fácil delegar ao outro a responsabilidade sobre si mesmo. Chamar a relação de amor, dar o sobrenome de incondicional e pronto, estar simples e facilmente submetido à vontade do outro. Delegar seus próprios fracassos como fracasso do outro, assumir que os erros cometidos só ocorreram por decisão do outro e que tudo que desmorona ao redor, é devido às escolhas do outro. Eu, eu mesmo, sou o bom; nunca erro, nunca perco a razão e nem o juízo, nunca faço péssimas escolhas. Ou o exato contrário, se tudo deu certo é porque o outro fez dar certo. Eu sou completamente impotente diante da vida, sou paralisado em relação aos meus desejos. Tudo que o outro me dá, eu aceito. Tomo pra mim como verdade universal. Não questiono, engulo. Me entupo de vontade alheia, transbordo aprisionamento, exalo algemas.
Eu, ao amar o outro incondicionalmente, digo a mim mesmo e ao mundo que eu não tenho o menor valor. Que tenho tanto medo de existir e de errar que preciso que haja um terceiro, alguém de fora, que tome responsabilidade por tudo. Que seja o culpado e o triunfante. Que seja elogiado e criticado. Que seja meu escudo, na tentativa frustrada de me esconder por detrás das grades incondicionais de um suposto amor. Tanto medo de viver que prefiro não existir, apenas me esconder.
Amar incondicionalmente não é amor; é autodestruição. Todos temos nossos limites. Precisamos de limite, justamente porque é impossível suportar toda a carga que é posta em nossas costas. Sem limite, perdemos nossos contornos, perdemos o que somos. Perdemos a existência e nos transformamos em qualquer coisa borrada e mesclada com todo o resto ao redor. Viramos uma ilusão, uma ideia distorcida do projeto original.

Sim, acredito que amar exige muito mais do que ceder completamente à vontade do outro. Significa adentrar em si mesmo, conhecer seus limites, quem sabe mudar-se, porque não. Significa deixar que o outro toque sua alma, e te faça enxergar o universo dele. E que esse contato possa então aproximar ambas as realidades, e que estas realidades se alinhem e possam seguir juntas. Não significa aniquilar-se, pelo contrário: significa expandir-se. Aprimorar-se. Mudar-se. Aumentar limites e horizontes. Viver. Existir.

O amor verdadeiro não aniquila, mas sim soma. Subtraem-se alguns algarismos, mas somam-se outros. No final, a conta é sempre positiva para ambos os lados. Se existe perda, se essa perda acarreta danos, se esses danos consomem e aniquilam tua essência, se tua essência é deixada de lado ou corroída em nome do amor incondicional, pare. Reveja suas condições. Para amar alguém há condições, sim, que limitam e muitas vezes impossibilitam que haja uma troca. Respeitar as condições de cada um é premissa sine qua non para que haja qualquer tipo de amor.
Conhecer suas próprias condições e limites exige uma viagem extenuante numa longa estrada. Uns terminam esta viagem num piscar de olhos, outros nunca nem ousaram começar. Mas certamente, é uma condição imprescindível pra fugir da armadilha do amor incondicional e adentrar ao aconchegante universo do amor condicional e verdadeiramente pleno, que só vem com o auto respeito. Tirando a nossa própria essência, ah, todo o resto é condicional.