quinta-feira, 18 de junho de 2015

Lurking

Murilo sempre teve medo do escuro.
Murilo continua tendo medo do escuro.
Murilo segue tendo medo do escuro.

-"Enfrente os seus problemas" - disseram eles. Mas Murilo sabia que havia algo errado. Ele tinha certeza de que algo não estava certo; e decidiu, portanto, arriscar, afinal os conselhos eram invariáveis e insistentes.

Murilo sentia um medo irracional de que algo estivesse à espreita, esperando para atacá-lo, quando menos esperasse. E ele sabia que era um sentimento bobo.

-"Nenhum monstro vai ficar parado, silenciosamente, aguardando horas a fio até o momento certo" - pensava ele. -"E por quê justo na minha casa?" - E ria. Mas no fundo ele não tinha assim tanta certeza. Quem poderia garantir que esses monstros realmente não eram espertos o bastante para cometer suas barbáries sorrateiramente, longe dos olhos de outrem? Afinal de contas esses monstros tinham poder suficiente para materializar-se (ou infiltrar-se nas casas isento de qualquer suspeita humana), então poderiam muito bem aguardar a hora ideal. E se fosse justamente naquele momento em que ele sentia sede e iria sozinho no escuro até a cozinha? Mas talvez esses demônios apenas queiram se divertir e observar as pessoas. E provocar alguma reação vez ou outra, apenas para observar essas reações.

-"Mas se realmente acontecesse algo, viraria notícia em algum jornal" - tentava justificar ele. Mas ele não confiava em jornais. Na verdade ele não confiava em ninguém. Ele não acreditava que as outras pessoas iriam de bom grado passar esse tipo de informação a ele, gratuitamente, e portanto a ausência de notícias como esta nos jornais eram apenas uma forma de alienação, uma forma de dizer que estava tudo bem, afinal as notícias eram sempre as mesmas. Era uma forma de dizer que monstros não existem.

Murilo estava ciente que este simples medo do escuro que o acompanhava desde a infância tinha se expandido e atualmente moldado tanto a sua personalidade. Sua forma de ver o mundo. Sua paranóia. Mas não mais, ele iria sozinho no escuro tomar água esta noite. "Os medos devem ser conquistados, meu rapaz".

E assim o fez. Sozinho em casa, foi pela madrugada até a cozinha. Apenas se via alguns reflexos da iluminação lunar em alguns pontos da casa e nada mais. Mas Murilo sentiu uma súbita taquicardia. Sabia que estava sendo observado. Essa era a hora mais aguardada pelos seus monstros particulares, pois fariam valer todos esses anos de espera. E então Murilo teve uma experiência que não saberia descrever em palavras. Sentiu-se como se estivesse em outro lugar, pois tinha certeza que não se encontrava mais em sua cozinha. Escutava vozes e via luzes em sua direção. Tinham-no escontrado.
Sentiu-se tonto, sua pouca visão começou a desaparecer. Sentiu-se fraco, iria desmaiar a qualquer momento.

Quando voltou a si, já estava claro no dia seguinte. Ele havia dormido no chão da cozinha. Sentia dores de cabeça e não conseguia se lembrar de nada. O escuro (ou os monstros; ou ambos) haviam-no vencido novamente.




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